domingo, 18 de maio de 2008

Prát. de Ens. Aprend. Musical 1"Educação musical na contemporaneidade "Margarete Arroyo "

A II S N P M

Educação musical na contemporaneidade

Margarete Arroyo

Introdução

O tema proposto para esta mesa, Educação Musical na Contemporaneidade, é

instigante, uma vez que somos cotidianamente desafiados a repensar nossas práticas em

vista das questões que nossos alunos trazem ou do que a sociedade, de modo geral,

demanda de nós, educadores musicais. Entretanto, ele envolve uma teia complexa de

aspectos teóricos e práticos, de modo que nesta exposição proponho-me a apresentar um

fio desta teia, isto é, vou me concentrar na abordagem sociocultural da Educação Musical

na Contemporaneidade.

musical, “fenômeno

Essa abordagem implica em considerarmos que toda prática

transversal”, que "perpassa todos os espaços sociais" (Bozon, 2000, p.147), traz implícita a

aprendizagem dessa prática e que, assim, alguma modalidade de educação musical ocorre

em diversos contextos, envolvendo grupos sociais e culturais diversos.

Para discorrer sobre o recorte que escolhi, terei que esclarecer em que sentido os

termos “contemporaneidade” e “educação musical

” estarão sendo entendidos no âmbito

desta exposição. Também terei que mencionar sobre que bases epistemológicas a parte da

Educação Musical contemporânea que focalizei está assentada e qual tem sido seu campo

de investigação.

O objetivo desse texto é apresentar a abordagem sociocultural da Educação Musical

na contemporaneidade, focalizando parte de sua produção científica desde 1990 através de

uma bibliografia brevemente comentada.

Contemporaneidade e Educação Musical

Tomo por contemporaneidade “o hoje” ou o bem próximo do hoje, ou ainda, o que

parte de nós educadores musicais e/ou pesquisadores temos pensado e realizado no

momento. Entretanto, é preciso estar ciente de que esse pensamento e essa ação estão

assentados sobre um processo de construção de idéias e práticas, isto é, sobre uma história

que vem influenciando a área da Educação Musical. Assim, ao falar da abordagem

sociocultural da Educação Musical na contemporaneidade, além de focalizar parte do que

se pensa e se faz “hoje” na área, representado por parte da produção científica dos últimos

12 anos, também abordarei, mesmo que brevemente, a produção anterior a esse período,

pois a meu ver, ela foi definindo uma maneira de conceber aspectos da Educação Musical

atual.

O termo "Educação Musical" abrange muito mais do que a iniciação musical

formal, isto é, é educação musical aquela introdução ao estudo formal da música e todo o

processo acadêmico que o segue, incluindo a graduação e pós-graduação; é educação

musical o ensino e aprendizagem instrumental e outros focos; é educação musical o ensino

e aprendizagem informal de música. Desse modo, o termo abrange todas as situações que

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envolvam ensino e/ou aprendizagem de música, seja no âmbito dos sistemas escolares e

acadêmicos, seja fora deles.

As bases epistemológicas

Vou apresentar a seguir minha visão do processo de construção histórica do que

hoje entendemos como a abordagem sociocultural da Educação Musical, focalizando suas

bases epistemológicas, ou seja, as formas de conhecer que esse sub campo adota. É

importante ter consciência dessas formas de conhecer, pois elas têm um impacto direto

sobre nossas ações.

Voltemos rapidamente para o início do século XX, quando a educação musical em

era a acadêmica/escolar, isto é, a educação musical que

foco na sociedade ocidental

acontecia nos conservatórios e nas escolas. Suas bases epistemológicas estavam assentadas

em algumas formas de conhecer ou entender a realidade: a compreensão do ensino e da

aprendizagem musical estava baseada em uma lógica carteziana e positivista e o que

deveria ser ensinado e aprendido era o que na visão evolucionista era tomado como o ápice

da produção musical da humanidade: a música de concerto dos séculos XVIII e XIX da

tradição européia.

Paralelamente a essas formas de conceber a realidade e o que se entendia por

música e por seu ensino e aprendizagem, estavam ocorrendo “revoluções” em diversas

áreas do conhecimento, isto é, outras possibilidades de entender a realidade e que rompiam

com muitas das visões em vigor. Entre as áreas onde novas visões de realidade estavam

sendo construídas e que facilmente poderíamos localizar estão: a Física, a Psicologia, as

Ciências Sociais, as Artes, a Pedagogia, a Economia, entre outras. Essas “revoluções”

determinaram o que passamos a reconhecer como o século XX, e nesse processo histórico,

o pensamento e a ação da Educação Musical foram sendo revistos.

Não vou fazer aqui um inventário das modificações que nosso campo de atuação foi

tendo ao longo do século passado; vou sim, deter-me em uma das vertentes dessas

modificações, a já mencionada abordagem sociocultural da Educação Musical, que, a meu

ver, constitui-se em parte significativa da produção contemporânea da área.

Para compreender a constituição dessa vertente é necessário observar as

“revoluções” que ocorreram nas ciências sociais, que por sua vez influenciaram as

musicologias e as pedagogias, campos de conhecimento que segundo alguns autores

conferem bases conceituais e de ação para a Educação Musical (Arroyo, 1998/99; 1999;

Kramer, 2000; Del Ben e Hentschke, 2001).

A Antropologia, ciência que nasceu sob influencia epistemológica do positivismo e

evolucionismo em fins do século XIX, foi, por força de novos procedimentos

interpretativos de seus próprios dados de pesquisa construindo outro referencial teórico.

Nessa construção, dois conceitos contribuíram para toda uma revisão epistemológica nas

ciências sociais. Trata-se dos conceitos de relativização dos processos e produtos culturais

e de cultura. Relativização implica que os processo e os produtos culturais só podem ser

compreendidos se considerados no seu contexto de produção sociocultural; o conceito de

encontra no entendimento de Cliffort Geertz uma interpretação que tem

cultura

influenciado muitos estudiosos, isto é, cultura entendida como uma teia de significados que

conferem sentido à existência humana (Geertz, 1989). Essa revisão epistemológica na

Antropologia teve um importante papel na superação de uma visão eurocêntrica da

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produção cultural humana, isto é, a cultura européia deixou de ser o modelo ideal de cultura

e passou a ser mais uma das várias culturas.

Para exemplificar estes conceitos de relativização e cultura, tomo como exemplo o

objeto de estudo da Etnomusicologia ou Antropoliga da Música, isto é, "a música como

cultura" (Merrian, 1964). Então, de acordo com uma visão relativizadora e da compreensão

de cultura como teia de significados que conferem sentido à ação dos grupos sociais, a

música de, por exemplo, alguma população africana deve ser compreendida segundo a

lógica da cultura desta população e não segundo procedimentos valorizados de outra

cultura. Esta música africana não pode ser mais chamada de primitiva como o fora antes,

aos olhos da cultura européia. Esta postura relativista foi propiciando à Etnomusicologia a

superação de uma visão eurocêntrica de música, isto é, uma visão que tomava como

referência de análise e valor a música européia de concerto, e o reconhecimento de que já

não seria possível falarmos de música no singular. Estávamos então percorrendo as décadas

de 50 a 70 do século XX (Merrian, 1964; Blacking, 1973; 1995).

Outra contribuição decisiva das ciências sociais para uma compreensão mais densa

das sociedades e culturas é a idéia de que a realidade é uma construção social (Berger e

Luckmann, 1985[1966]). A superação de uma visão eurocêntrica do mundo e a

compreensão da construção social da realidade levaram a outras elaborações decisivas na

segunda parte do século XX, entre elas a visão pós-moderna e pós-estruturalista, quando

houve rupturas com a idéia de progresso, de objetividade incontestável da ciência; quando

as grandes narrativas foram substituídas pela narrativa de todos, e que poder e saber

poderiam estar estreitamente relacionados. Aqui avançamos as décadas de 1970 e 1980.

As musicologias, as pedagogias e a Educação Musical não ficaram imunes a todo

esse movimento. Além da ampliação das visões de música e da relação entre músicas e

culturas promovida pela Etnomusicologia, estudos sobre os discursos hegemônicos em

música aparecem, entre eles a chamada musicologia crítica e estudos da música popular

(McClaren, 1991; Middleton, 1990).

A partir dessa breve revisão, ressaltamos que a abordagem sociocultural da

Educação Musical se assenta sobre as idéias do relativismo cultural e sobre a idéia das

músicas como construções socioculturais. Associados a esses pontos, estão que: as músicas

devem ser estudadas não apenas como produto, mas como processo; alguma modalidade de

educação musical acontece em todos os contextos onde haja prática musical, sejam eles

formais ou informais; portanto há inúmeras possibilidade de se empreender a educação

musical, como ressalta Jorgensen (1997, p.66):

"a educação musical (...) é uma colagem de crenças e práticas. Seu papel na formação e

manutenção dos [mundos musicais] - cada qual com seus valores, normas, crenças e

expectativas - implica formas diferentes nas quais ensino e aprendizagem são realizados.

Compreender esta variedade sugere que pode haver inúmeras maneiras nas quais a educação

pode ser conduzida com integridade. A busca por uma única teoria e prática de instrução

musical aceita universalmente, pode levar a uma compreensão limitada".

Seu campo de investigação

Seguindo esta exposição, apresento parte da produção científica da abordagem

sociocultural da Educação Musical nos últimos 12 anos, ressaltando que não pretendi um

levantamento exaustivo da literatura, tarefa que demandaria muito mais tempo do que o

disponível para a elaboração deste texto.

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Antes porém de chegar à produção dos últimos 12 anos, gostaria de destacar alguns

trabalhos ligados à Educação Musical anteriores a este período que, a meu ver, foram

fundamentais para irmos delineando essa perspectiva sociocultural que teve nos anos 90 e

início do século XXI uma explosão de produção. Em ambos os casos, serão citados os

estudos e um breve comentário dos mesmos.

1972 - “Music World Cultures” - número especial da revista Music Educators Journal,

editada pela Conferência Nacional de Educadores Musicais dos Estados Unidos (MENC,

1972).

Trata-se de um volume temático da referida revista, com artigos de antropólogos,

etnomusicólogos e musicólogos abordando as músicas de várias culturas.

1977 - “Music, Education, Society” - livro do pesquisador australiano Christopher Small

(Small, 1980; 1989).

Esse livro é considerado por muitos estudiosos como um marco no repensar da Educação

Musical nos seus aspectos conceituais e práticos. O autor propõe "examinar a tradição

musical ocidental" através da nossa vivência, acentuada no século XX, de outras culturas

musicais.

1977 - “Whose Music? A sociology of Musical Languages”, de John Shepherd, Phil

Virden, Graham Vulliamy e Treador Wishart. Os autores do livro, todos britânicos,

encabeçaram um movimento vinculado a uma perspectiva sociológico-crítica da Educação

Musical no final dos anos 70 e durante os anos 80 na Grã-Bretanha. (Shepherd et al.,

1977).

O livro traz temáticas ligadas à música e processo social, significado musical,

música e ideologia, educação musical e música popular.

1984 - “Possibilidades e limites de uma orientação musicológica à Educação Musical” -

artigo publicado na revista Art da Escola de Música da Universidade Federal da Bahia pelo

musicólogo Alexandre Bispo (Bispo, 1984).

O artigo trata da proposta de uma orientação musicológica no currículo do curso de

Licenciatura em Música, fundamentada na "convicção de uma necessária posição

relativista no julgamento estético das várias manifestações musicais (...)" (p.55).

1984/85 - “Música e educação não-formal” - artigo publicado na revista Pesquisa e

Música, do Conservatório Brasileiro de Música. (Conde; Neves, 1984/85).

Esse artigo traz um estudo pioneiro no Brasil sobre o ensino e a aprendizagem

informal de música. Os autores, Cecília Conde e José Maria Neves, discutem como

a escola desprestigia a experiência musical de seus estudantes. O locus do estudo é

o Rio de Janeiro.

1985 - "Becoming Human Through Music: The Wesleyan Symposium on the Perspectives

of Social Anthropology in the Teaching and Learning of Music". Esse simpósio aconteceu

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nos Estados Unidos em 1984 e contou com presença de vários antropólogos e

etnomusicólogos. (MENC, 1985).

A publicação conta com textos de David P. McAllester, Robert Garfias, John Blacking,

Bruno Nettl, Charles Keil, Timothy Rice, entre outros. Esses textos abordam estudos

etnomusicológicos sobre ensino e/ou aprendizagem de música nas culturas estudadas por

esses pesquisadores.

1998 - "Hãlau, Hochschule, Maystro, and Ryu: cultural approches to music learning and

teaching" - texto publicado nos anais do congresso da ISME (International Society of

Music Education) e de autoria do etnomusicólogo filipino Ricardo Trimillos. (Trimillos,

1988)

Trimillos propõe um modelo de observação de quatro contextos de educação musical

citados no título do texto, a partir dos seguintes aspectos relacionados a cada uma das

músicas praticadas nesses contextos: o que é crítico a cada uma das práticas, o que é

desejável e o é incidental. Através desse quadro comparativo, fica evidente a necessidade

de uma postura relativista sobre o estudo das práticas musicais e conseqüente necessidade

de ampliação conceitual e prática da Educação Musical.

1988 - “Music on deaf ears: musical meaning, ideology, education” - Lucy Green, a autora

desse livro, é educadora musical inglesa que tem se dedicado à perspectiva sociológica da

Educação Musical. (Green, 1988).

Lucy Green aponta para as várias questões que têm sido levantadas sobre o fazer musical

contemporâneo e procede a um estudo sobre a construção do significado musical,

ressaltando aspectos ideológicos. A autora defende que todo processo de significação

musical é permeado pelas ideologias presentes nas relações sociais.

1988 - “Music, talent, and performance: a conservatory cultural system” - Este livro resulta

do estudo de doutorado do americano Henry Kingsburry. (Kingsburry, 1988).

Kingsburry realiza uma incursão antropológica em uma conceituada escola norteamericana

de música, desvelando os sentidos culturais desse sistema social. Trata-se de um estudo de

referência sobre um abordagem antropológica do ensino e aprendizagem da música de

concerto da tradição européia.

A partir dos anos 90, os estudos socioculturais da Educação Musical expandem-se

consideravelmente, tanto no exterior quanto no Brasil.

1990 - “Educação Musical: processo de aculturação ou enculturação” - artigo publicado na

revista Em Pauta, do Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade Federal do

Rio Grande do Sul. (Arroyo, 1990)

1991 - “Aprendizagem Musical não-formal em grupo culturais diversos” - artigo publicado

nos Cadernos de Estudo - Educação Musical. (Santos, 1991)

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Este artigo e o anterior tratam de uma revisão bibliográfica sobre a abordagem sociocultural

da Educação Musical.

1992 - “The relationship between music and control in the everyday processes of the

schooling ritual” - Tese de doutorado de Irene Tourinho (1992), a partir da qual a autora

publicou vários artigos (Tourinho, 1992; 1993a; 1993b; 1994).

Tourinho realiza um estudo de referência em escolas parque de Brasília, focalizando os usos

e funções da música nesse contexto.

1995 - “Motivações, expectativas e realizações na aprendizagem musical: uma etnografia

sobre alunos de uma escola alternativa de música” - Dissertação de Mestrado de Walênia

Silva que abre caminho para uma série de estudos posteriores de linha etnográfica. (Silva,

1995; 1997).

A autora, educadora musical, insere-se etnograficamente em uma escola "alternativa" de

música localizada em Porto Alegre, desvelando os sentidos locais do ensino e aprendizagem

de música.

1995 - “Educação musical informal e suas formalidade”, comunicação de Marialva Rios

apresentada no IV Encontro Anual da ABEM. (Rios, 1995).

Nessa comunicação a autora descreve parte de sua pesquisa de mestrado, onde realiza um

estudo abordando processos informais e formais do ensino e aprendizagem de música. O

trabalho de campo, realizado em Salvador, indica as "formalidades" dos processos

informais de ensino e aprendizagem musical.

1995 - “Heartland excursions: ethnomusicological reflections on schools of music” - Livro

do etnomusicólogo americano Bruno Nettl (Nettl, 1995).

Nettl analisa etnomusicologicamente escolas americanas de música onde atuou por vários

anos. Trata-se de mais um estudo de caráter antropológico sobre o ensino e aprendizagem da

música de concerto da tradição européia.

1995 - “Music Matters: a new philosophy of music education” - David Elliott, educador

musical canadense. (Elliott, 1995)

Esse livro, de enfoque didático e dirigido para estudantes de licenciatura em música, traz

uma proposta de filosofia da educação musical sustentada, entre outros, por estudos

etnomusicológicos.

1997 - “In search of Music Education” - Estelle Jorgensen, educadora musical norte-

americana. (Jorgensen, 1997).

Jorgensen propõe nesse livro uma "visão dialética da Educação Musical", tendo como base

estudos de linha sociológica e antropológica (etnomusicológica), entre outros.

1997 - “Music, Gender, Education” - Lucy Green (1997)

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Esse segundo livro de Green aborda a categoria de gênero (masculimo e feminino) na

educação musical sob a perspectiva da sociologia.

1998 - “Formação e atuação dos músicos de rua de Porto Alegre: um estudo a partir de

relatos de vida” - Dissertação de Mestrado. Celson Henrique S. Gomes (1998; 1998/99)

1998 - “ Saberes musicais em uma bateria de escola de samba uma etnografia entre bambas

da orgia” - Dissertação de Mestrado. Luciana Prass (1998; 1998/99).

1998 - “Oficina de música: uma etnografia dos processos de ensino e aprendizagem

musical em bairros populares de Porto Alegre” - Dissertação de Mestrado. Marília Stein

(1998; 1998/99).

Esses três estudos ampliam de modo significativo o movimento iniciado no Brasil por

Conde e Neves (1984/85), Tourinho (1992), Rios (1995) e Walênia Silva (1995). Essas

quatro pesquisas abordam diferentes espaços onde ensino e aprendizagem musical

acontecem. Gomes insere-se entre os músicos de rua de Porto Alegre, Prass, entre os

sambistas de uma escola de samba também em Porto Alegre e Stein, entre "oficineiros e

oficinantes" de projetos de Oficina de Música em bairros populares da capital gaúcha.

1998 - “Songs in the heads: music and its meaning in children’s life” - livro de Patricia

Campbell, educadora musical norte-americana. (Campbell, 1998).

Campbell vem há anos publicando textos que articulam educação e diversidade musical.

Nesse livro, seu foco é a variedade das relações que as crianças estabelecem com o fazer

musical. Adotando a técnica da observação e da entrevista, a autora registra aquela relação

em diferentes contextos: no recreio da escola, em lojas de brinquedos e em parques, etc.

1999 - “Representações sociais sobre prática de ensino e aprendizagem musical: um estudo

etnográfico entre congadeiros, professores e estudantes de música” - Tese de doutorado.

(Arroyo, 1999; 2000; 2001).

A autora se insere etnograficamente em dois contextos diversos de ensino e aprendizagem

musical: contexto de uma festa do congado e contexto de um conservatório de música,

ambos localizados na cidade de Uberlânida, MG. Promove, a partir dessa inserção,

reflexões acerca de um olhar antropológico sobre práticas de ensino e aprendizagem

musical.

2000 - “Análise dos processos de ensino-aprendizagem do acompanhamento do choro no

violão de seis cordas” - Dissertação de mestrado. Carlos A G. da Costa Chaves. (Chaves,

2000).

Os citados processos de ensino e aprendizagem são desvelados a partir de um conjunto de

entrevistas com músicos de choro.

2000 - “Violão sem professor: um estudo sobre processos de auto-aprendizagem com

adolescentes” - Marcos Corrêa (Corrêa, 2000; Souza; Corrêa, 2001).

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Estudo que desvela as práticas de aprendizagem informal de música realizadas por

adolescentes de classe média residentes em Porto Alegre.

2000 - “A música é, bem dizê, a vida da gente; um estudo com crianças e adolescentes em

situação de rua na Escola Municipal Porto Alegre - EPA” - Vânia Müller (Müller, 2000a e

b)

Estudo que mostra a presença cotidiana da música entre crianças e adolescentes em situação

de rua.

2000 - “ Música, cotidiano e educação” - Jusamara Souza (org). (Souza et all, 2000)

Essa publicação resulta de uma pesquisa empreendida coletivamente e que focalizou os

estudos do cotidiano e experiências de uma educação musical baseada nesses estudos.

2001 - “How popular musicians learn: a way ahead for Music Education” - Lucy Green.

(Green, 2001)

Green constata que, apesar de nas últimas décadas a música popular ter adentrado cada vez

mais nos espaços institucionalizados de educação musical, pouco se sabe sobre "como os

músicos populares aprendem" música informalmente. O livro tem entre outros objetivos:

"examinar a natureza das práticas de aprendizagem informal dos músicos populares, suas

atitudes e valores" e explorar algumas possibilidades que as práticas de aprendizagem

informais da música popular poderiam oferecer à educação musical formal". (6-7)

2002 - "Música e televisão no cotidiano de crianças: um estudo de caso com um grupo de 9

e 10 anos". Dissertação de mestrado. Silvia Nunes Ramos. (Ramos, 2002).

Apresenta uma importante revisão bibliográfica sobre a televisão como meio de

aprendizagem, além de trazer dados de entrevistas e observação do que de música as

crianças aprendem através desse difundido meio de comunicação de massa e como. Tendo

como referencial teórico os meios de comunicação, os estudos do cotidiano e a pedagogia

crítica, essa pesquisa abre um valioso caminho para outros estudos no sentido de

compreendermos a relação entre aprendizagem musical, crianças/adolescentes e músicas

veiculadas na televisão.

2002 - "Do sertão para as salas de concerto: viola - um processo de ensino-aprendizagem".

Dissertação de mestrado. Andréa Carneiro de Souza. (Souza, 2002).

A partir de entrevistas realizadas com quatro violeiros (Abel Santos, Adelmo Arcoverde,

Braz da Viola e Roberto Corrêa), um interessante material é levantado sobre a participação

as práticas de ensino e aprendizagem da viola na trajetória que esse instrumento está

percorrendo do "sertão" para "as salas de concerto".

Conclusão

O objetivo deste texto foi apresentar a abordagem sociocultural da Educação

Musical como uma importante vertente contemporânea dessa área de conhecimento.

Baseados nos pressupostos epistemológicos do relativismo cultural e da constituição social

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e cultural das práticas musicais, fazendo uso de metodologia de investigação de campo e de

técnicas que desvelam como o ensino e a aprendizagem de música acontecem em diferentes

cenários, os trabalhos apresentados na bibliografia comentada mostram alguns pontos que

merecem atenção. É a esses pontos que me dirijo agora.

Nos anos 70, a produção do que viria posteriormente a se constituir na abordagem

sociocultural da Educação Musical foi realizada principalmente por etnomusicólogos,

antropólogos e musicólogos, que a partir de seus trabalhos de campo em diferentes grupos

culturais, buscam chamar a atenção dos educadores musicais para a necessidade de

ampliações conceituais e práticas da Educação Musical.

Nos anos 80, os educadores musicais-pesquisadores começam a responder a esse

chamado, respostas que crescem substancialmente nos anos 90.

Os trabalhos de campo constituem-se em um procedimento fundamental para o

desvelamento das práticas de ensino e aprendizagem musicais locais e, a partir desse

desvelamento, passar à construção das primeiras sínteses conceituais. Essas, a meu ver,

estão presentes nos trabalhos de Elliott (1995) e Jorgensen (1997). Entretanto, vemos que

ainda neste início de século XXI os trabalhos de campos são o principal tipo de produção,

numa indicação de que é preciso levantar mais evidências para articularmos modelos

teóricos no âmbito dessa abordagem sociocultural.

Outra observação a ser feita diz respeito à diversidade dos contextos de estudo. São

focalizados: grupos culturais tradicionais; grupos urbanos, escolares e não escolares;

cenários fortemente vinculados à tradição da música européia de concerto; cenários

vinculados às músicas populares; o papel das tecnologia atuais, como a internet, e nem tão

atuais, como a televisão, na aprendizagem musical.

Mas, sem dúvida, o maior desafio que a área enfrenta a partir desses estudos diz

respeito às ações, principalmente nos cenários acadêmicos e escolares. Algumas questões

levantadas nesse sentido são:

Como trazer para os sistemas escolares os procedimentos de ensino e aprendizagem

de práticas musicais construídos em contextos não escolares?

Como podemos recriar as práticas de educação musical escolares e acadêmicas a

partir da ampliação da visão de ensino e aprendizagem musical advindas das pesquisas

citadas nesse texto?

Como formar os educadores musicais na perspectiva da abordagem sociocultural da

Educação Musical?

Alguns relatos sobre as ações baseadas na abordagem sociocultural da Educação

Musical começam a parecer nesse início de século. Os anais do 7° Simpósio Paranaense de

Educação Musical, realizado em 2000 sob a temática "Educação Musical: Transitando entre

o formal e o informal"(Curso de Música/UEL, 2000) trazem exemplos dessa produção que

merece também um comentário bibliográfico, cujo objetivo é fazer conhecer campos de

produção. Mais do que isso, as ações baseadas nessa abordagem sociocultural merecem um

cuidadoso trabalho de análise e reflexão para entendermos como estamos construindo a

Educação Musical na contemporaneidade. Essa tarefa fica para outra ocasião.

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Notas

As práticas musicais compreendem um complexo de aspectos, desde os produtores e receptores das ações

musicais, o que eles produzem, como e por quê, e todo o contexto social e cultural que dá sentido às próprias

ações musicais.

Quando a expressão Educação Musical vier escrita com as letras iniciais em maiúsculo, refere-se à Educação

Musical como campo acadêmico de conhecimento tal qual a Antropologia ou a Etnomusicologia. Quando esta

expressão vier escrita com todas as letras minúsculas, refere-se à educação musical como prática.

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